Páginas

quarta-feira, 10 de julho de 2013

In and Out



Rolou na cama e parou. Uma meia-luz entrava pela janela meio aberta. Não sabia se amanhecia ou anoitecia, não queria saber. Teve momentânea raiva de quem sabe mas a mesma se desfez pois o rancor amargo irritava o paladar. Inspirou. Expirou. Revirou os olhos lentamente com um ar de tédio. Passou as mãos, agora fracas, pelo que sobrara do cabelo e que já estava prestes a ir embora e gritou um grito inútil que nada queria dizer. Não foi ouvido por ninguém além de si mesmo. Não foi ouvido por ninguém. Por fim decidiu-se e apoiou-se sobre os cotovelos, agora fracos, para se sentar na cama. Suspirou. Passou novamente as mãos pelo rosto e balançou a cabeça em negativa. Caminhou até a janela e abriu-a de vez. O dia anoitecia, agradeceu por isso. Olhou a rua que seguia pela direita até sabe-se lá onde e pela esquerda até sabe-se lá onde. Olhou para a lua chocha que se formava e tossiu. O líquido viscoso e escuro caiu do sétimo andar até, se deus quiser, cair na cabeça de alguém. Pelo menos não se sujou dessa vez. Todas essas pílulas e comprimidos... Todas essas sessões... Perda de tempo e do resto de saúde que lhe restava. A respiração ficara pesada e incômoda. Um saco. Às vezes sentia vontade de parar e ver no que dava. Não parou. In and out, repetia em sua mente. O ar frio entrava e saía quente. Pôs a mão na testa para verificar sua temperatura. Ouvira, certa vez, que não se pode sentir a própria temperatura, que não dá certo. Ignorou a advertência constatando que estava quente. Ardendo em febre. Caliente.
Expirou. Inspirou-se. Foi até a cozinha e pegou um copo na pia e a garrafa de uísque que acumulava poeira sobre o armário. "Não beba", pensou ao virar a primeira dose. Se sentou no sofá com a sutileza de um guindaste que solta a carga em queda livre e passou a ignorar o copo, levando o gargalo da garrafa direto à boca. Três, quatro, cinco goles. Chega. Deixou-se jogado no sofá por alguns instantes de tempo. Dois, três, trinta minutos. Voltou a si quando a perna começou a formigar devido a posição incômoda e levantou-se batendo o pé no chão. Inspirou. Expirou. Inspirou. Tossiu. O sangue caiu sobre o sofá. Curvou-se com uma dor intensa no estômago e tossiu mais e mais e mais. O sangue espalhava-se por todo o chão. Expirou. Inspirou, ou pelo menos tentou. Levantou-se lentissimamente e foi até o banheiro. Despiu-se enquanto enchia a banheira. Olhou-se no espelho uma última vez e não gostou nada do que viu. Voltou a sala apenas para colocar um vinil qualquer de bossa. Limpou o vermelho que ficara no canto da boca e entrou na água. Deitou-se com a cabeça apoiada na parede e deixou-se escorregar enquanto inspirava. Naufrágio. De sua boca, subiam bolhas de ar febril. Saindo de seus olhos, gotas salgadas misturavam-se com a água da banheira num mar de melancolia patética. Se visse a cena, a reprovaria. Mas ninguém estava vendo. Ninguém ligava. A medida que as últimas bolhas chegavam a superfície fechou os olhos e cruzou as mãos sobre o peito. E expirou-se.

2 comentários:

  1. Gustaaa! Finalmente retornando, e em grande estilo! Gostei de ver! E, sem querer me incluir nesse texto lindo mas já me incluindo, super senti que esse texto acontecia ao mesmo tempo que o "Ao lado dos outros cascos" acontecia! Juro!!! Será que a minha amiga do texto esperava a ligação desse moço do uísque? Vamos analisar! hahaha Mais uma vez, parabéns! E TRATE DE ESCREVER MAIS! Beijos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Super possível! kkkkk Lisonjeado com todos os elogios. Obrigado e tratarei! Beijos, Bruna

      Excluir

Deixe seu pensamento aqui